A ORAÇÃO NA VIDA DOMINICANA
Frei Ronivalder Biancão, OP.
Para
que a vida religiosa seja de fato aquilo que seu nome diz, ela deve ser
fundamentada, sobretudo, na oração e na mística. Na vida dominicana, a oração é
tida como um dos três pilares que sustentam o carisma da pregação, sendo os
demais: o estudo e a vida comum.
Costuma-se
dizer, entre nós dominicanos, que esse é o tripé
da Ordem dos Pregadores. Sendo assim, se um dos apoios deste tripé está ausente ou se algum deles é de tamanho
inferior, tudo aquilo que eles
procuram sustentar, vem a desmoronar. Nessa ótica, portanto, deve-se haver um equilíbrio
entre os três apoios (ou pilares).
Mesmo
que a oração pareça ser vista como distinta, frente aos demais pilares, ela,
pelo contrário, circunda os elementos da vida comunitária e da vida de estudo,
dando sentido a eles, como nos diz a Constituição Fundamental:
[...]. “Tais
elementos, solidamente ligados entre si, harmoniosamente equilibrados e
fecundando-se mutuamente, constituem, na sua síntese, a própria vida da Ordem:
vida apostólica, no pleno sentido, na qual a pregação e o ensino devem emanar
da abundância da contemplação.”(LCO, § IV).
A
oração é a relação íntima da pessoa com Deus (CIC §2560), que pode ocorrer
através de diferentes meios. Somente quem fez uma experiência íntima com Deus,
na pessoa de Jesus Cristo, é que dará verdadeiro sentido à sua consagração de
vida pelo Reino (DA, 243). Assim, o estudo e a vida comunitária serão
vivenciados apostolicamente e as dimensões desta consagração (castidade,
pobreza e obediência) não serão tidas como conseqüências da opção pela vida
religiosa, mas, antes, vistos à luz da pregação e do testemunho de Jesus
Cristo, serão frutos de uma escolha consciente pelo amor a Deus.
Dentro
da vivência comunitária encontramos na Eucaristia o centro de irradiação do nosso
propósito de vida:
“[...] Nela, os
irmãos, juntamente com Cristo, glorificam a Deus pelo propósito da sua vontade
e pela admirável concessão da graça, e rogam ao Pai das misericórdias por toda
a Igreja e pelas necessidades e salvação do mundo inteiro. A celebração da
liturgia é, pois, o centro e o coração de toda a nossa vida, cuja unidade
radica principalmente dela.” (LCO, 57).
“Contemplari
et contemplata aliis tradere” (São Tomás de Aquino). Esta frase de São Tomás de
Aquino resume qual deve ser o sentido de nossa oração: contemplar as maravilhas
de Deus presentes na nossa vida evangélica e transmitir aos outros os frutos
dessa contemplação, não somente por palavras, mas também pelo testemunho de
nossa vida. Segundo frei Felicíssimo Martinez Diez OP, a fé radical é o único ponto de apoio de todo projeto de vida religiosa.
Nessa visão, “o religioso é (ou pelo
menos tem o dever de ser) um mestre
espiritual, uma testemunha de Deus no mundo”. (DIEZ, 2003, p. 36).
O diferencial da vida dominicana, comparada à vida
religiosa monacal, é justamente seu caráter profético; assim, oramos
(estabelecemos contato com Deus) também, de forma implícita. Isso ocorre quando
nos conservamos no amor e na doação ao próximo, seja pelo grito de denúncia
contra injustiças em favor dos oprimidos, seja no auxílio dos que carecem do
necessário para sua subsistência, porque Cristo quis identificar-se
misticamente através dos irmãos: “Tudo o que fizerdes a um destes meus irmãos
mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” - Mt 25, 40 (FORESI, 1988, p.
103). Esse aspecto profético da oração é a fé encarnada nas realidades onde nos
encontramos. São Domingos tinha a experiência com o transcendente contemplando
a Deus a partir do coração sofredor da história humana: de dia falava de Deus aos homens e de noite falava dos homens a Deus
(cf. Beato Jordão de Saxônia).
Nessa
ótica, recordamos os nossos irmãos e irmãs da Ordem dos Pregadores que tinham
uma vida profundamente marcada pela oração, ou melhor, suas vidas eram uma
oração, uma expressão de profunda comunhão com Deus, como por exemplo, Antônio
de Montesinos, Bartolomeu de Las Casas, Catarina de Sena, Rosa de Lima,
Martinho de Lima, Henrique Suzo, entre outros. Assim como eles, não poderíamos
deixar de cultivar os momentos de oração pessoal, pois o silêncio propicia a
familiaridade com Deus (LCO, 66). Nas
suas longas vigílias, nosso pai Domingos orava, não somente com palavras ou no
silêncio do coração, mas colocava todo seu corpo em oração. É o que podemos ver
nas “Nove maneiras de rezar de São Domingos”. Cada gesto de São Domingos
traduzia as intenções pelas quais ele se dirigia a Deus, não somente em seu
próprio favor, mas também em favor dos pecadores e da missão da Ordem e da
Igreja:
- Inclinação
profunda:
por ela São Domingos tornava-se totalmente submisso diante do Criador do
mundo e comparava sua pequenez diante da grandeza do Senhor, proclamando a
magnitude de Seu Nome.
- Vênia: com o rosto por terra,
implorava a Deus o perdão de suas faltas e das faltas de toda humanidade.
Pedia também que Deus afastasse dele todo projeto e pensamento que o
desviasse de sua missão.
- Disciplina: por meio da autoflagelação,
sentia-se tão responsável pela pregação da Verdade, como Jesus o foi, tomando
em si mesmo o sofrimento do próximo.
- Genuflexão: mantendo os olhos fitos na
cruz de Jesus, esperança dos que crêem em seu favor, depositava toda sua
esperança n’Ele para o bom êxito de sua pregação, pedindo sempre a graça
necessária para esse fim.
- Em
pé, em contemplação: estando
em pé, juntava as mãos, como se estivesse segurando um livro, e meditava a
Palavra de Deus. Bem baixinho pronunciava textos da Sagrada Escritura com
suavidade e devoção, como se alguém estivesse conversando com ele.
- De
braços abertos:
foram feitas orações nessa posição em momentos marcantes, como quando
ocorreram os milagres. São domingos rezava dessa forma quando algo de
extraordinário viria a acontecer.
- Mãos
levantadas para o céu:
nessa posição parecia receber algo do céu: os dons do Espírito Santo para
a Ordem e para a Igreja.
- A
meditação:
logo após as horas canônicas, reservava um tempo para meditar algum livro
ou os evangelhos num local isolado e silencioso.
- Em
viagem:
durante uma viagem afastava-se um pouco dos companheiros e, enquanto
caminhava, rezava e fazia o sinal da cruz constantemente. Era aí que o
Senhor inspirava palavras de sabedoria para serem colocadas em sua
pregação.
Notamos
que todos os elementos do carisma dominicano propiciam espaço à oração, porém,
devemos ater-nos para não absolutizarmos os meios pelos quais dispomos para
esse contato íntimo com Deus. Esse aspecto absolutizante, faz-nos perder a
verdadeira mística. Essa problemática é tratada pelo jesuíta Carlos Domínguez
Morano, num trecho de uma entrevista:
“[...] Não
confundamos nenhum dos sinais de Deus com Deus mesmo. Essa é a grande tentação
da pessoa religiosa: confundir Deus com os sinais de Deus, absolutizar a
mediação, fazer da mediação um Deus. Então, uma das grandes contribuições dos
místicos é a de relativizar tudo o que podemos pensar e dizer sobre Deus e suas
mediações. Por isso, os místicos são, também, suspeitos nas instituições
religiosas, já que questionaram tudo. De algum modo, viveram uma experiência em
que compreenderam que tudo o que dizemos de Deus é, e não é teologia negativa.
Por isso, a instituição está sempre zelosa da ortodoxia, dos sinais que querem
absolutizar. Absolutizar o templo como espaço sagrado; o tempo de uma densidade
sagrada que não aparece em outros tempos; o saber numa proporção dogmática. O
místico sabe que não pode confundir Deus com o templo, com os tempos e com os
saberes. Esses são somente mediações que levam ao mistério, porém, não um
mistério que produz inquietude, medo, mas confiança, porque é um mistério amoroso.
[...]”.
Olá. Saudações fraternas. Muito interessante este texto. Cordialmente.
ResponderExcluirAniel Rodrigues
A espiritualidade dominicana, nesses termos, parece-se um pouco com a redentorista... Vocês disseram: "contemplar as maravilhas de Deus presentes na nossa vida evangélica e transmitir aos outros os frutos dessa contemplação, não somente por palavras, mas também pelo testemunho de nossa vida"... Assim, também, nós, redentoristas, fazemos. Ao contemplarmos o mistério da redenção da cruz, nós entendemos o que a vida em Cristo, pode mudar...
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