Domingos Zamagna (*)
Os jovens estão se mobilizando aos
milhões, em todo o mundo, e em poucas semanas seus representantes se reunirão
com o Papa Francisco no Rio de Janeiro. Quantos desses jovens sabem quem foi e
o que representou para a Igreja e o mundo a carismática pessoa de João XXIII,
papa da juventude do atual pontífice?
Há 50 anos falecia João XXIII, o
“Papa Bom”, assim o chamavam os italianos. Não que Pio XI e Pio XII, seus
predecessores, fossem maus. Quando se diz que uma flor é bela, não se quer
dizer que as outras sejam feias. Mas após os horrores das guerras mundiais
(especialmente a segunda, que ofuscou o pontificado de Pio XII) um papa de
feições camponesas e pouco apegado ao formalismo da burocracia eclesiástica, um
papa que sorria, que não se considerava um soberano e desejava abrir as portas
da Igreja para dialogar com todos, batalhador pela justiça e pela paz, só
poderia mesmo ser caracterizado pela virtude da bondade.
Nascido em Sotto il Monte, província
de Bérgamo (norte da Itália), em 25 de novembro de 1881, recebeu da família
Roncalli o nome de Angelo Giuseppe. Com onze anos entrou para o seminário,
nunca teve dúvidas de sua vocação para o sacerdócio, nem mesmo durante o ano de
interrupção dos estudos para prestar o serviço militar.
Ainda muito jovem se doutorou em
Teologia, destacando-se nos estudos históricos, e passou a executar trabalhos
pastorais em sua diocese natal, até a irrupção da primeira guerra mundial,
durante a qual serviu o exército, na patente de sargento, como enfermeiro.
Em 1925 foi chamado para o serviço
diplomático da Santa Sé, um trabalho que lhe consumiu longos 27 anos,
conduzindo-o sucessivamente às delegações na Bulgária, Grécia e Turquia. Os
contatos com a Igreja Ortodoxa abriram seu coração definitivamente para a causa
ecumênica, além de intenso trabalho para amenizar a fome na Grécia durante a
segunda guerra mundial, bem como a proteção e salvação de milhares de judeus do
extermínio nazifascista. No fim da guerra, em 1944, foi transferido para a
Nunciatura em Paris, que naquela época também supervisionava possessões
francesas na África.
A partir de 1953 deixa a diplomacia
vaticana, pois Pio XII o nomeia Patriarca de Veneza, onde atua como bispo por breves
cinco anos, porque, no conclave para escolher o sucessor de Pio XII, em 28 de
outubro de 1958, Monsenhor Roncalli é eleito papa. Contava então 76 anos de
idade e muitos apostavam que seria um simples “papa de transição”.
Seu pontificado, porém, foi uma sucessão
de surpresas. Pela primeira vez, desde 1870, o papa fez uma viagem fora de
Roma: de trem, foi à cidade de Assis, terra de São Francisco, orar e
inspirar-se junto a um dos maiores reformadores da Igreja. Recebeu visitas de líderes de várias Igrejas
não cristãs e estreitou relações com governantes de muitas nações, contribuindo
para diminuir as perigosas tensões da Guerra Fria. Atuou junto ao Presidente
Kennedy na famosa crise dos mísseis soviéticos em Cuba (outubro de 1962).
Produziu duas memoráveis encíclicas que conquistaram o mundo: “Mater et
Magistra” (1961) e “Pacem in Terris” (1963), com as quais renovou a comunicação
dos papas não só com religiosos, mas com “todos os homens de boa vontade”.
Nessas encíclicas sociais identificou os sinais dos tempos (socialização, descolonização,
ascensão das classes trabalhadoras, promoção da mulher) e proclamou que “o
desenvolvimento é o novo nome da paz”.
A maior contribuição de João XXIII foi,
sem dúvida, a convocação do 21º Concílio Ecumênico da Igreja, feita na Basílica
de São Pedro em 25 de abril de 1959. Foram anos de intensa preparação que
agitou os ambientes católicos, com repercussões por todo o mundo. O Concílio do
Vaticano-II foi inaugurado por João XXIII em 11 de outubro de 1962. Não era um
concílio para definir dogmas, muito menos para promover condenações. Era a
reunião dos bispos de todo o mundo, assessorados pelos teólogos e pastoralistas,
para estabelecer o “aggiornamento” da Igreja, isto é, o sincero diálogo com o
mundo, com ele também aprender, e para ele dirigir corajosamente a palavra do
Evangelho de modo acessível e relevante, a começar com uma profunda renovação
da própria Igreja, sacudindo dela a poeira acumulada no decurso dos séculos.
Este ideal foi efetivamente alcançado. Quem tiver independência de espírito e
agudeza de observação histórica há de convir que a Igreja católica se renovou,
mudou para melhor após João XXIII.
A grande maioria dos historiadores,
sociólogos, diplomatas etc., passados cinquenta anos da sua abertura, afirmam
que o concílio foi um dos maiores eventos do século XX, com efeitos benéficos
que perduram até hoje.
Mas João XXIII só pode presidir a
primeira sessão do Vaticano II, pois faleceu em 3 de junho de 1963, ficando a
cargo de seu sucessor, Paulo VI, dar continuidade e cumprimento às demais
sessões que perduraram até 1965.
(*) Jornalista e professor de Filosofia em São Paulo.
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